Atenção: A questão refere-se ao texto abaixo.
Não cometo esse erro tão comum de julgar os outros por mim. Acredito de bom grado que o que está nos outros possa divergir essencialmente daquilo que está em mim. Não obrigo ninguém a agir como ajo e concebo mil e uma maneiras diferentes de viver; e, contrariamente ao que ocorre em geral, espantam-me bem menos as diferenças entre nós do que as semelhanças. Não imponho a outrem nem meu modo de vida nem meus princípios; encaro-o tal qual é, sem estabelecer comparações. O fato de não ser continente não me impede de admirar e aprovar os Feuillants* e os capuchinhos que o são; pela imaginação ponho-me muito bem em sua pele e os estimo e honro tanto mais quanto divergem de mim. Aspiro particularmente a que julguem cada qual como é, sem estabelecer paralelos com modelos tirados do comum. Minha fraqueza não altera absolutamente o apreço em que deva ter quem possui força e vigor. Embora me arraste ao nível do solo, não deixo de perceber nas nuvens, por mais alto que se elevem, certas almas que se distinguem pelo heroísmo. Já é muito para mim ter o julgamento justo, ainda que não o acompanhem minhas ações, e manter ao menos assim incorruptível essa qualidade. Já é muito ter boa vontade, mesmo quando as pernas fraquejam.
*Ordem religiosa.
(Extraído de MONTAIGNE, Michel de. “Catão, o jovem”, Ensaios, trad. Sérgio Milliet, São Paulo, Nova Cultural, 1996, p. 213)
© copyright - todos os direitos reservados | olhonavaga.com.br